NOVA GENTE
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POEMAS
HÉLICE E PASTILHA
“O que o mundo tem a oferecer é uma virilha cancerosa, uma série de cavidades côncavas. Um homem minúsculo está sentado do outro lado do porto, colocando pólvora num aglomerado de buracos cobertos de cinza, mas nada impedirá a biologia de funcionar. O seu rosto é amarelado e os olhos profundos, carvão-cinza. Nós, o mundo, a raça humana vergonhosa, perseveraremos numa orgia de mastigação. Enquanto o cancro apodrece a visão, continuaremos a mastigar, um monstro comedor de carne. Mas aquele homem minúsculo está demasiado perto do vórtice para resistir ao consumo e a sua visão é a mais clara.”
PORTA, NARIZ E PISTOLA
“Lembro-me das múltiplas camadas de uma noite encarcerado numa prisão-vídeo. Os píxeis, como adagas, passavam por mim à velocidade de consumo. Eu vi cada fragmento de algo que tinha um milhão de rotas possíveis a passar por mim. Uma seringa de mercúrio e eu, o orifício da agulha. O gosto metálico e ocular de uma realidade mais real que o real, que tu não queres entender, que tu não consegues entender e que me protege de ti mesmo agora. Tu dizes que eu sou um objeto, mas isso é uma audácia que tu não consegues manejar com qualquer verdade. Eu sou um reflexo da tua desonestidade fantástica e tu não fazes a mínima ideia da perda que sempre sofreste.”
OSSOS E POMBAS
“A planura de um céu azul vertical não tem nada a ver com a morte, mas também não significa vida. Quando falamos sobre a jornada dos elementos, seríamos tolos se ignorássemos quaisquer vapores pungentes. As nossas memórias são tendões, e somos seduzidos pelo desejo de dar essa elasticidade como certa. Devemos estar gratos por aqueles que redirecionam o nosso olhar, de volta à explosão. Existe um calor azul dentro do qual nos alimentamos. Não queima. Quando martelamos as nossas rótulas com os punhos, talvez chutemos para o lado. Ou talvez apenas acordemos.”
PNEU E DENTES
“As pressões da carne não têm lugar nesta conversa e as pressões da terra não são da tua conta. Se a luz do dia dá cobertura às tuas suposições, não ganhaste piedade, mas sim desprezo. Tu podes descrever-te? Podes dizer, com alguma certeza, o que significa uma impressão humana? Tu chegaste com uma interpretação abrasiva da realidade e eu nem consigo encontrar energia para cuspir nela. Portanto, venho a ti com amor e desejo renovado de confiança mútua. Enquanto estou sentado aqui, pergunto-me se vais realizar os sonhos que tenho para ti, meu amante perdido. O nosso elo é umbilical, um esmagamento de córtex.”
MICRO-ONDAS E BOLA
“Ela saiu da relva alta para lhe dar o seu coração, mas era tarde demais. Ele disparou uma flecha contra a mão dela e nós não tivemos escolha senão assistir em silêncio. Uma eternidade cósmica não nos teria preparado para o espectro da sua forma a derreter no chão. Tu olhaste para mim em busca de proteção e orientação e estremeci ao pensar na tua necessidade também. A essência daquele momento, a sua importância, não passou despercebida por mim, mas nós os dois sentimos falta da sua beleza.”
RELVA E CORRENTE
“Entendes o que eu sou? Ou quem eu sou? Ouvi a história de um homem que entrou num restaurante e pediu sopa, mas recebeu peixe. Foi uma perda de perspectiva da qual ele não conseguiu recuperar e as suas quatro dimensões tornaram-se duas na velocidade de um foguete. Se o um poder tornar-se três, podemos encontrar-nos e talvez mesmo abraçar-nos. Será tão frio quanto os seus olhos, mas será lindo. Inclinei o meu corpo para trás porque te queria perto. Tu recuas com medo ou para seduzir? A decisão é tua e tem implicações atómicas”.